Mais de uma dúzia de vezes eu recebi uma meia dúzia de e-mails parecidos sobre como teria sido a infância de quem cresceu na década de 1970 ou sobre os brinquedos e desenhos animados que faziam a alegria da garotada na década de 1980.
Era um mundo impossível de se imaginar hoje: sem computador, internet e celular. O máximo que havia, como brinca um antigo professor meu, Alberto Gobbo, era o telefone molecular: "Moleque, vai na casa da Dona Cida (a vizinha) e pede uma xícara de açúcar, que eu tô precisando passar um café".
Embora seja sempre muito gostoso olhar pra trás – as pessoas têm uma mania de dizer que "aquele tempo, sim, é que era bom"... –, o mundo nunca mais vai ser o mesmo. As condições que existiram, e que fizeram com que minha infância fosse o que ela foi, não existem mais, nunca mais vão se repetir.
E isso não é uma constatação por conta da velocidade das transformações tecnológicas atuais, que faz com que a cada mês um celular novo e mais cheio de recursos seja lançado no mercado. Faz uns 2,5 mil anos, um filósofo na Grécia escreveu: "ninguém se banha na mesma água do rio duas vezes". E não é que Heráclito tinha uma certa razão?
Das páginas e telas da ficção científica para o mundo real, a clonagem de seres vivos, inclusive de seres humanos, torna-se uma possibilidade cada vez mais concreta. Não sem razão, é importante que todo mundo pense a respeito disso e se pergunte: pra que interessa fazer uma cópia de alguém? "Eu já nem me suporto", você pode pensar; "imagine dois de mim?".
É preciso ter presente que toda ação humana é motivada por interesses. E nem estou dizendo que esses interesses são escusos, segundas intenções. Então, não dá pra aceitar aquele papo furado de pesquisa científica desinteressada, como se muito do progresso científico não tivesse sido condicionado por quem bancou as pesquisas. E há outra conversa mole que é preciso questionar: "se dá pra fazer (se tecnicamente é viável, é possível), então a gente deve fazer!". Por isso é importante se engajar no debate sobre aonde esse caminho vai levar e se esse é o destino que se quer alcançar.
Anos atrás, foi feita uma novela chamada "O clone". É claro que, mesmo fundamentada em teorias e práticas científicas, é uma obra de ficção, uma história inventada. Mas essa novela e outros tantos filmes produzidos por aí vão construindo na imaginação das pessoas a ideia de uma cópia perfeita da pessoa de quem se tirou o DNA. Uma cópia tão perfeita a ponto de alguém muito religioso levantar a questão: "essa minha cópia teria alma?".
Pensando com calma, um clone humano vai se parecer muito com um irmão gêmeo, só que nascido bem depois. E se já existem diferenças entre gêmeos idênticos, criados pelos mesmos pais, frequentando a mesma escola, tendo muitos amigos em comum, imagine o quão diferente seria esse clone/irmão gêmeo.
Talvez fosse mais alto ou mais gordo que o original. Eu, por exemplo, que tenho quase um 1,8 m de altura, era considerado um tanto alto na minha geração. Mas as gerações que vieram depois da minha são, na média, bem mais altas e com uma tendência maior para a obesidade. Tudo por conta dos tipos de alimento disponíveis e dos hábitos alimentares diferentes.
Além de uma provável diferença física, esse clone teria uma forma de ver o mundo totalmente diferente. É que a água do rio, de que falava Heráclito, teria sido outra. Ele teria vivido outras experiências, carregaria lembranças diferentes, habilidades, gostos, tiques e manias: tudo diferente.
Um clone não seria uma cópia, mas um outro ser humano: completo, distinto. Arrisco dizer que teria uma alma própria, sim, porque se Deus é esse ser eterno, que criou tudo e que conhece tudo antecipadamente (já que não cabe na ideia de Deus essa noção de tempo como nós a experimentamos), então esse Deus já teria previsto e permitido, como possibilidade, a clonagem humana.
Agora, exatamente porque esse clone seria em tudo um novo ser humano, a pergunta continua: se dá pra fazer, então temos mesmo que fazer? Pra que preciso de um clone? Pra servir de peça de reposição? Um rim ou coração 100% compatíveis, pra quando o meu já não estiver em boas condições?
Amigos da Ágora
Somos já alguns professores de filosofia, numa possível ágora virtual. Somos amigos e isto a torna um tanto quanto "real". Sofremos as mesmas agruras... Sonhamos sonhos próximos, hermanos, de liberdade de pensamento, expressão e construção de uma nova sociedade (Flávio Passos)
terça-feira, 15 de novembro de 2011
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
Sem receitas
Não forneço receitas nem vendo GPS! É preciso que você aprenda a perceber, isto é, torne-se um cara curioso, de antenas ligadas.
Mas apesar de não fornecer receitas, queria sugerir algumas palavrinhas mágicas pra você guardar: estruturas, padrões, referências e relações. Ao estudar alguma coisa, qualquer coisa – e “perceber” a realidade é estudá-la –, você tem de estar atento a essas palavrinhas.
Vamos pegar a música como exemplo: uma série de sons, alguns mais graves e outros mais agudos, alguns mais rápidos e outros mais demorados, sons que tocam um depois do outro e sons que tocam ao mesmo tempo. Ou seja, música é o relacionamento intencional – não esqueça: intencional! – entre diversos sons. Se prestar mais atenção, vai perceber uma sequência de sons de velocidades diferentes que se repetem, como algo que pulsa: é o que chamamos de ritmo.
Música é relacionamento intencional dos sons. Essa é a estrutura dela. O ritmo, por sua vez, é um padrão de sons que é possível perceber dentro dessa estrutura. Melodia (sons em sequência) e harmonia (sons simultâneos) são também padrões.
Só que não existe um único ritmo. Tem samba, xaxado, xote e baião, rock pesado, hip-hop e reggae (do bom!). Se você quiser aprender os ritmos, tem de entender que o ritmo pode ser percebido como uma estrutura, com seus próprios padrões. Baião e valsa, por exemplo, são completamente diferentes: “1 e 2 e” (tum tata tum ta) no baião e “1 e 2 e 3 e” (tum ta ta) na valsa.
E isso não é só na música, não! Que tal pensar em Matemática? (credo em cruz, sai coisa ruim!). Sabia que a nossa percepção adora formar grupinhos? Verdade! Inconscientemente a gente fica separando o que vê a partir de características comuns: tem bastante gente de vermelho hoje e alguns estão de preto; aquela casa tem portas de alumínio e a outra tem portas de madeira, e por aí vai. Não é assim?
Puxa, isso fez eu me lembrar de uma coisa que aprendi lá nas primeiras séries: Conjunto! Eu tinha uma caixa de papelão pra guardar os brinquedos: 1 bola, 5 carrinhos, 1 espada de plástico, 1 guitarra de corda de elástico e até uns 10 gibis. 18 brinquedos. Tem algo que parece que não combina, não é? O que o gibi tá fazendo nessa soma? Bom, quando eu era criança me divertia com eles; acho que podia chamá-los de brinquedos também. Mas se a gente tirar os gibis, ficam 8 brinquedos.
Percebeu? Quantidade faz parte da estrutura da Matemática. Mas, importante, só posso somar ou subtrair quantidades de uma mesma coisa, de um mesmo conjunto: eu não podia somar gibi com brinquedo (na opinião de vocês); por isso eu subtrai os gibis do total de brinquedos (que pra mim eram a mesma coisa). Essa é a estrutura das operações matemáticas simples.
Aí minha mãe foi na papelaria e comprou seis caixas de lápis de cor, um pra cada irmão (tô exagerando, claro, porque meu irmão mais velho não precisava mais). Cada caixa de lápis de cor tinha 12 lápis. Eu abri todas as caixas e esparramei tudo no sofá: 12 lápis, depois outros 12, e outros 12 e mais 12 e, por fim, outros 12. 60 lápis. Percebeu o padrão? Eu somei cinco vezes a mesma quantidade: é a multiplicação.
Quando alguém está perdido na cidade, tem de olhar as placas, procurar os pontos turísticos e as vias principais. Não dá pra entender nada sem saber a que essa realidade se refere. A água ferve a 100 graus. Certo? Tem certeza? Errado! Falta a referência. Quando falo em 100 graus estou pensando em graus Celsius e estou pensando em uma determinada situação: se estiver tentando ferver a água ao nível do mar. Quando falo em baião estou pensando em música brasileira, provavelmente alguma canção composta no Nordeste brasileiro.
Em Matemática – só pra não deixar a coitadinha de lado! – tem uma história interessante, contada por Malba Tahan (pseudônimo árabe do brasileiro Júlio César de Mello e Souza) no livro “O homem que calculava”: como dividir 35 camelos entre três irmãos, se o pai determinou no testamento que o mais velho receberia metade, o do meio receberia um terço e o mais novo ficaria com a nona parte? Não dá pra dar meio camelo pra ninguém, porque o camelo morre e deixa de ser camelo. O problema é a referência: o conjunto dos números chamados inteiros não permite fazer essa divisão, pois se refere a coisas que não podem ser divididas. Mas eu posso dividir um bolo em pedaços, porque cada pedaço conserva as características principais do bolo inteiro (aí é um outro conjunto de números, os racionais ou fracionários).
Mas, para que serve conhecer a estrutura, perceber seus padrões e os pontos de referência dessa realidade? São informações que eu preciso relacionar com outras informações. Só assim se constrói o conhecimento.
Todo mundo já deve ter visto uma chaleira fervendo. O vapor da água escapa da chaleira com certa força, chegando a levantar um pouco a tampa da chaleira. Alguém teve a ideia de controlar a temperatura da água, de forma constante, e canalizar essa saída de vapor para fazer girar uma roda.
Outra pessoa já tinha usado rodas (com dentes) para transmitir o movimento de uma roda para outra. Rodas dentadas de tamanhos diferentes giram com velocidades diferentes. Como na bicicleta, desde a mais simples até aquela de marcha.
E foi assim, juntando um conhecimento daqui e outro de lá que nasceu a máquina a vapor (e tantas outras coisas). E a máquina a vapor, ligada a um tear, foi o começou da Revolução Industrial, que mudou irreversivelmente o mundo, mudou o jeito de produzir os produtos que as pessoas precisam para viver e a própria maneira como as pessoas se relacionam entre si.
Mas apesar de não fornecer receitas, queria sugerir algumas palavrinhas mágicas pra você guardar: estruturas, padrões, referências e relações. Ao estudar alguma coisa, qualquer coisa – e “perceber” a realidade é estudá-la –, você tem de estar atento a essas palavrinhas.
Vamos pegar a música como exemplo: uma série de sons, alguns mais graves e outros mais agudos, alguns mais rápidos e outros mais demorados, sons que tocam um depois do outro e sons que tocam ao mesmo tempo. Ou seja, música é o relacionamento intencional – não esqueça: intencional! – entre diversos sons. Se prestar mais atenção, vai perceber uma sequência de sons de velocidades diferentes que se repetem, como algo que pulsa: é o que chamamos de ritmo.
Música é relacionamento intencional dos sons. Essa é a estrutura dela. O ritmo, por sua vez, é um padrão de sons que é possível perceber dentro dessa estrutura. Melodia (sons em sequência) e harmonia (sons simultâneos) são também padrões.
Só que não existe um único ritmo. Tem samba, xaxado, xote e baião, rock pesado, hip-hop e reggae (do bom!). Se você quiser aprender os ritmos, tem de entender que o ritmo pode ser percebido como uma estrutura, com seus próprios padrões. Baião e valsa, por exemplo, são completamente diferentes: “1 e 2 e” (tum tata tum ta) no baião e “1 e 2 e 3 e” (tum ta ta) na valsa.
E isso não é só na música, não! Que tal pensar em Matemática? (credo em cruz, sai coisa ruim!). Sabia que a nossa percepção adora formar grupinhos? Verdade! Inconscientemente a gente fica separando o que vê a partir de características comuns: tem bastante gente de vermelho hoje e alguns estão de preto; aquela casa tem portas de alumínio e a outra tem portas de madeira, e por aí vai. Não é assim?
Puxa, isso fez eu me lembrar de uma coisa que aprendi lá nas primeiras séries: Conjunto! Eu tinha uma caixa de papelão pra guardar os brinquedos: 1 bola, 5 carrinhos, 1 espada de plástico, 1 guitarra de corda de elástico e até uns 10 gibis. 18 brinquedos. Tem algo que parece que não combina, não é? O que o gibi tá fazendo nessa soma? Bom, quando eu era criança me divertia com eles; acho que podia chamá-los de brinquedos também. Mas se a gente tirar os gibis, ficam 8 brinquedos.
Percebeu? Quantidade faz parte da estrutura da Matemática. Mas, importante, só posso somar ou subtrair quantidades de uma mesma coisa, de um mesmo conjunto: eu não podia somar gibi com brinquedo (na opinião de vocês); por isso eu subtrai os gibis do total de brinquedos (que pra mim eram a mesma coisa). Essa é a estrutura das operações matemáticas simples.
Aí minha mãe foi na papelaria e comprou seis caixas de lápis de cor, um pra cada irmão (tô exagerando, claro, porque meu irmão mais velho não precisava mais). Cada caixa de lápis de cor tinha 12 lápis. Eu abri todas as caixas e esparramei tudo no sofá: 12 lápis, depois outros 12, e outros 12 e mais 12 e, por fim, outros 12. 60 lápis. Percebeu o padrão? Eu somei cinco vezes a mesma quantidade: é a multiplicação.
Quando alguém está perdido na cidade, tem de olhar as placas, procurar os pontos turísticos e as vias principais. Não dá pra entender nada sem saber a que essa realidade se refere. A água ferve a 100 graus. Certo? Tem certeza? Errado! Falta a referência. Quando falo em 100 graus estou pensando em graus Celsius e estou pensando em uma determinada situação: se estiver tentando ferver a água ao nível do mar. Quando falo em baião estou pensando em música brasileira, provavelmente alguma canção composta no Nordeste brasileiro.
Em Matemática – só pra não deixar a coitadinha de lado! – tem uma história interessante, contada por Malba Tahan (pseudônimo árabe do brasileiro Júlio César de Mello e Souza) no livro “O homem que calculava”: como dividir 35 camelos entre três irmãos, se o pai determinou no testamento que o mais velho receberia metade, o do meio receberia um terço e o mais novo ficaria com a nona parte? Não dá pra dar meio camelo pra ninguém, porque o camelo morre e deixa de ser camelo. O problema é a referência: o conjunto dos números chamados inteiros não permite fazer essa divisão, pois se refere a coisas que não podem ser divididas. Mas eu posso dividir um bolo em pedaços, porque cada pedaço conserva as características principais do bolo inteiro (aí é um outro conjunto de números, os racionais ou fracionários).
Mas, para que serve conhecer a estrutura, perceber seus padrões e os pontos de referência dessa realidade? São informações que eu preciso relacionar com outras informações. Só assim se constrói o conhecimento.
Todo mundo já deve ter visto uma chaleira fervendo. O vapor da água escapa da chaleira com certa força, chegando a levantar um pouco a tampa da chaleira. Alguém teve a ideia de controlar a temperatura da água, de forma constante, e canalizar essa saída de vapor para fazer girar uma roda.
Outra pessoa já tinha usado rodas (com dentes) para transmitir o movimento de uma roda para outra. Rodas dentadas de tamanhos diferentes giram com velocidades diferentes. Como na bicicleta, desde a mais simples até aquela de marcha.
E foi assim, juntando um conhecimento daqui e outro de lá que nasceu a máquina a vapor (e tantas outras coisas). E a máquina a vapor, ligada a um tear, foi o começou da Revolução Industrial, que mudou irreversivelmente o mundo, mudou o jeito de produzir os produtos que as pessoas precisam para viver e a própria maneira como as pessoas se relacionam entre si.
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sexta-feira, 26 de agosto de 2011
Criação: fervor ou perfeição?
“O homem é em primeiro lugar aquele que cria”, define Saint-Exupèry no livro Cidadela, afirmando mais à frente: “Não queiras inventar um império onde tudo seja perfeito”.
A frase perfeita
nem sempre é bonita.
Escrita ou não,
é aquela que cala,
que toca a ferida,
é aquela que fala.
Há tanta coisa há ser dita
e não é.
Se a gente repete o poeta
e não cria
a palavra se vai,
se esvazia,
e a frase (bonita?)
nem mesmo é perfeita...
O que importa, lembra Exupèry, é o fervor e a colaboração: “Criar é talvez falhar um determinado passo na dança. E dar de lado este golpe de cinzel na pedra. O destino do gesto pouco importa. Esse esforço parece estéril a ti, cego, que tens o nariz encostado nele, mas experimenta dar um passo atrás. Observe mais de longe o movimento deste bairro de cidade. Só vês subir de lá um grande fervor e a poeira dourada do trabalho. E não reparas nos gestos falhos”.
Já que temos que andar,
por que não fazer dançar
o pé, o corpo, o ser?
Já que temos que andar
por que não dançar de sombrinha
na corda bamba da vida?
Pra ver nascer um outro dia,
eu despi a fantasia
que não era a minha,
eu larguei a poesia
que era só palavras e linhas...
Hoje quero só o que somos,
por que eu não sou sem você!
A frase perfeita
nem sempre é bonita.
Escrita ou não,
é aquela que cala,
que toca a ferida,
é aquela que fala.
Há tanta coisa há ser dita
e não é.
Se a gente repete o poeta
e não cria
a palavra se vai,
se esvazia,
e a frase (bonita?)
nem mesmo é perfeita...
O que importa, lembra Exupèry, é o fervor e a colaboração: “Criar é talvez falhar um determinado passo na dança. E dar de lado este golpe de cinzel na pedra. O destino do gesto pouco importa. Esse esforço parece estéril a ti, cego, que tens o nariz encostado nele, mas experimenta dar um passo atrás. Observe mais de longe o movimento deste bairro de cidade. Só vês subir de lá um grande fervor e a poeira dourada do trabalho. E não reparas nos gestos falhos”.
Já que temos que andar,
por que não fazer dançar
o pé, o corpo, o ser?
Já que temos que andar
por que não dançar de sombrinha
na corda bamba da vida?
Pra ver nascer um outro dia,
eu despi a fantasia
que não era a minha,
eu larguei a poesia
que era só palavras e linhas...
Hoje quero só o que somos,
por que eu não sou sem você!
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Do erótico ao pornográfico. A criação está em risco?
Prova de Sociologia no Ensino Médio regular em uma escola da rede pública de São Paulo. Legião Urbana servia de provocação: "Geração Coca Cola", de Renato Russo e Fê Lemos.
"Quando nascemos fomos programados", dizia a canção, "a receber o que vocês nos empurraram com os enlatados dos USA, das 9 às 6. Desde pequenos nós comemos lixo comercial e industrial".
"Professor", me perguntou espantado um aluno, "que negócio é esse de comer lixo?".
"Cara", pensei eu, "como ele pode ler ao pé da letra a canção?".
Aqui entre nós: teria sido mais fácil se a gente tivesse nascido mais forte. Ou mais rápido. Mais ágil! Teria sido mais fácil se tivéssemos garras ou presas. Ou se nossa visão, olfato, audição fossem capazes de perceber coisas a quilômetros de distâncias.
Mas, não! A gente nasceu assim, cheio de deficiências. Nem pelo pra proteger do frio a gente recebeu da natureza... Só essa camada fina de pele para embalar músculos e ossos, artérias, veias e nervos.
Dá pra acreditar que a gente chegou até aqui, depois de milhares de anos vivendo sobre a Terra? O que é que a pessoa humana tem em si que permitiu a sobrevivência da espécie e sua adaptação aos ambientes mais hostis?
Nenhum outro ser vivo tem a capacidade que o ser humano tem de criar símbolos. Nenhum, como ele, é capaz de representar a realidade que percebe através de sons, imagens, pensamento. Pelo símbolo que cria, o ser humano faz do obstáculo trampolim: ele acessa, manipula e até recria a realidade. Pouco a pouco foi criando ferramentas e máquinas que compensaram o que a natureza não lhe deu.
Li numa revista de cinema, anos atrás, que Ridley Scott passou um bom tempo pensando como produzir e inserir no cenário o monstro de "Alien: o oitavo passageiro" (1979). Clássico da ficção científica de terror, foi produzido numa época em que a computação gráfica ainda engatinhava e não era opção economicamente viável. O diretor, então, optou por mostrar de forma muito rápida apenas detalhes do monstro. Decisão acertada. Impossível não se assustar com o alien, cuja forma final estava apenas em nossa imaginação, povoada por nossos próprios pesadelos e assombrações.
O que abre possibilidades, também pode colocar algemas. A escrita permitiu o registro, a disseminação e a perpetuação da tradição oral, mas criou gramáticas e dicionários e a disputa pelo poder de determinar a interpretação correta.
No princípio, era o verbo; hoje, a imagem, cuidadosamente elaborada.
No ensaio "O mito do super homem", Umberto Eco analisa a atuação da indústria cultural e mostra como ela desestimula o pensamento criativo e crítico. "Não se preocupe", diz a indústria cultural, "a gente pensa e decide por você. Apenas viva!".
Alien foi recriado e mostrado por inteiro. Aterrorizante nas primeiras exibições. Em "Romeu tem que morrer" (2000), com Jet Li, é possível ver ossos sendo quebrados, de forma extremamente realista.
Mas o susto passa. O que é familiar e corriqueiro não causa espanto. Como não causa mais espanto o indigente dormindo no chão, embaixo das marquizes nas ruas de nossas cidades...
Tão rápido quanto o susto que não é mais, é preciso produzir outros e outros filmes, com monstros mais e mais aterrorizantes, com violência mais e mais explícita.
Também as canções - ao menos aquelas com as quais a indústria cultural massacra os ouvidos da massa - parecem cada vez mais concretas: canções feitas pra pegar (em todos os sentidos)...
Hoje ninguém quer mais saber de histórias contadas ao redor da fogueira. Ninguém quer mais canções sobre luas enamoradas dormindo em um manto de estrelas.
"Um homem se humilha se castram seu sonho", cantava Gonzaguinha; "seu sonho é sua vida e a vida é trabalho". E concluia: "sem o seu trabalho o homem não tem honra, e sem a sua honra se morre, se mata...".
Querem embotar os sonhos, a nossa capacidade de criar, aquilo que nos faz ser humanos. Vamos deixar acontecer?
"Quando nascemos fomos programados", dizia a canção, "a receber o que vocês nos empurraram com os enlatados dos USA, das 9 às 6. Desde pequenos nós comemos lixo comercial e industrial".
"Professor", me perguntou espantado um aluno, "que negócio é esse de comer lixo?".
"Cara", pensei eu, "como ele pode ler ao pé da letra a canção?".
* * *
Aqui entre nós: teria sido mais fácil se a gente tivesse nascido mais forte. Ou mais rápido. Mais ágil! Teria sido mais fácil se tivéssemos garras ou presas. Ou se nossa visão, olfato, audição fossem capazes de perceber coisas a quilômetros de distâncias.
Mas, não! A gente nasceu assim, cheio de deficiências. Nem pelo pra proteger do frio a gente recebeu da natureza... Só essa camada fina de pele para embalar músculos e ossos, artérias, veias e nervos.
Dá pra acreditar que a gente chegou até aqui, depois de milhares de anos vivendo sobre a Terra? O que é que a pessoa humana tem em si que permitiu a sobrevivência da espécie e sua adaptação aos ambientes mais hostis?
Nenhum outro ser vivo tem a capacidade que o ser humano tem de criar símbolos. Nenhum, como ele, é capaz de representar a realidade que percebe através de sons, imagens, pensamento. Pelo símbolo que cria, o ser humano faz do obstáculo trampolim: ele acessa, manipula e até recria a realidade. Pouco a pouco foi criando ferramentas e máquinas que compensaram o que a natureza não lhe deu.
* * *
Li numa revista de cinema, anos atrás, que Ridley Scott passou um bom tempo pensando como produzir e inserir no cenário o monstro de "Alien: o oitavo passageiro" (1979). Clássico da ficção científica de terror, foi produzido numa época em que a computação gráfica ainda engatinhava e não era opção economicamente viável. O diretor, então, optou por mostrar de forma muito rápida apenas detalhes do monstro. Decisão acertada. Impossível não se assustar com o alien, cuja forma final estava apenas em nossa imaginação, povoada por nossos próprios pesadelos e assombrações.
O que abre possibilidades, também pode colocar algemas. A escrita permitiu o registro, a disseminação e a perpetuação da tradição oral, mas criou gramáticas e dicionários e a disputa pelo poder de determinar a interpretação correta.
* * *
No princípio, era o verbo; hoje, a imagem, cuidadosamente elaborada.
No ensaio "O mito do super homem", Umberto Eco analisa a atuação da indústria cultural e mostra como ela desestimula o pensamento criativo e crítico. "Não se preocupe", diz a indústria cultural, "a gente pensa e decide por você. Apenas viva!".
Alien foi recriado e mostrado por inteiro. Aterrorizante nas primeiras exibições. Em "Romeu tem que morrer" (2000), com Jet Li, é possível ver ossos sendo quebrados, de forma extremamente realista.
Mas o susto passa. O que é familiar e corriqueiro não causa espanto. Como não causa mais espanto o indigente dormindo no chão, embaixo das marquizes nas ruas de nossas cidades...
Tão rápido quanto o susto que não é mais, é preciso produzir outros e outros filmes, com monstros mais e mais aterrorizantes, com violência mais e mais explícita.
Também as canções - ao menos aquelas com as quais a indústria cultural massacra os ouvidos da massa - parecem cada vez mais concretas: canções feitas pra pegar (em todos os sentidos)...
Hoje ninguém quer mais saber de histórias contadas ao redor da fogueira. Ninguém quer mais canções sobre luas enamoradas dormindo em um manto de estrelas.
"Um homem se humilha se castram seu sonho", cantava Gonzaguinha; "seu sonho é sua vida e a vida é trabalho". E concluia: "sem o seu trabalho o homem não tem honra, e sem a sua honra se morre, se mata...".
Querem embotar os sonhos, a nossa capacidade de criar, aquilo que nos faz ser humanos. Vamos deixar acontecer?
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quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Quem manda aqui sou eu!
O recente episódio da “quebra de braço” entre o então técnico do Santos, Dorival Junior, e o jogador Neymar é uma boa oportunidade para se conversar sobre temas importantes como poder e autoridade.
Poder e autoridade não são a mesma coisa, mas andam juntos. Poder é a capacidade – que alguém ou algum grupo possui – de levar outras pessoas a fazer o ele determina. Já autoridade vem da mesma raiz que gerou as palavras “autor” e “autoria”: a capacidade de falar em nome próprio ou em nome do grupo que ele representa.
O técnico é alguém que recebe da diretoria de um clube a autoridade para comandar uma equipe de jogadores. Cabe a ele determinar o que precisa ser feito, quem deve jogar e em que posição, para que o time alcance os objetivos traçados: a conquista de um campeonato, a classificação para um outro torneio ou não ser rebaixado.
A autoridade do técnico para comandar a equipe é legítima, ou seja, os jogadores aceitam que a voz de comando é do técnico seja porque é costume que todas as equipes sejam comandadas por técnicos (autoridade tradicional), seja porque tanto o técnico quanto os jogadores foram contratados pelo clube, cada um para exercer uma função diferente (autoridade legal).
Às vezes acontece de um técnico assumir uma posição de liderança por se destacar pela forma de agir e falar para estimular os jogadores. Um jogador pode ser enxergado pelo grupo como um líder desse tipo (autoridade carismática) porque joga muito bem ou, simplesmente, porque consegue articular bem os companheiros dentro de campo.
Autoridade tradicional, carismática e legal são conceitos elaborados pelo sociólogo Max Weber para explicar porque uma pessoa é vista e aceita como autoridade dentro de um grupo social.
Embora sua autoridade seja legítima, o técnico perdeu o poder sobre os jogadores, não tinha mais a capacidade de mobilizá-los em vista do objetivo do clube no Campeonato.
Ao privilegiar o jogador, a diretoria do Santos retirou do ex-técnico sua autoridade sobre os jogadores, embora estivesse fazendo um trabalho satisfatório; a diretoria também deixou claro para os futuros técnicos que a autoridade deles é frágil. Estatísticas mostram que no campeonato brasileiro desse ano foram 23 técnicos trocados no final das 16 primeiras rodadas (quase 1,5 por rodada).
Isso dá o que pensar: não só em termos de futebol, mas em termos de sociedade
Poder e autoridade não são a mesma coisa, mas andam juntos. Poder é a capacidade – que alguém ou algum grupo possui – de levar outras pessoas a fazer o ele determina. Já autoridade vem da mesma raiz que gerou as palavras “autor” e “autoria”: a capacidade de falar em nome próprio ou em nome do grupo que ele representa.
O técnico é alguém que recebe da diretoria de um clube a autoridade para comandar uma equipe de jogadores. Cabe a ele determinar o que precisa ser feito, quem deve jogar e em que posição, para que o time alcance os objetivos traçados: a conquista de um campeonato, a classificação para um outro torneio ou não ser rebaixado.
A autoridade do técnico para comandar a equipe é legítima, ou seja, os jogadores aceitam que a voz de comando é do técnico seja porque é costume que todas as equipes sejam comandadas por técnicos (autoridade tradicional), seja porque tanto o técnico quanto os jogadores foram contratados pelo clube, cada um para exercer uma função diferente (autoridade legal).
Às vezes acontece de um técnico assumir uma posição de liderança por se destacar pela forma de agir e falar para estimular os jogadores. Um jogador pode ser enxergado pelo grupo como um líder desse tipo (autoridade carismática) porque joga muito bem ou, simplesmente, porque consegue articular bem os companheiros dentro de campo.
Autoridade tradicional, carismática e legal são conceitos elaborados pelo sociólogo Max Weber para explicar porque uma pessoa é vista e aceita como autoridade dentro de um grupo social.
* * *
O episódio entre Neymar e Dorival Junior mostra que, na sociedade de hoje, a figura da autoridade está em crise. O ex-técnico Dorival Junior era a autoridade legítima para comandar o time. É provável que nem todas suas decisões tivessem sido acertadas, mas ele é quem respondia por elas. Neymar tem se destacado por sua qualidade como jogador mas fatos recentes têm mostrado que ele ainda não está pronto para assumir uma liderança carismática entre seus colegas. Embora sua autoridade seja legítima, o técnico perdeu o poder sobre os jogadores, não tinha mais a capacidade de mobilizá-los em vista do objetivo do clube no Campeonato.
Ao privilegiar o jogador, a diretoria do Santos retirou do ex-técnico sua autoridade sobre os jogadores, embora estivesse fazendo um trabalho satisfatório; a diretoria também deixou claro para os futuros técnicos que a autoridade deles é frágil. Estatísticas mostram que no campeonato brasileiro desse ano foram 23 técnicos trocados no final das 16 primeiras rodadas (quase 1,5 por rodada).
Isso dá o que pensar: não só em termos de futebol, mas em termos de sociedade
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Campos da África vestem o Brasil neste verão
Zebras e leopardos se espalham pela cidade de São Paulo neste fim de ano. De repente me dei conta disso, visitando um Shopping Center. Pelo menos três grandes redes de lojas que vendem roupas femininas trazem, em suas coleções, estampas reproduzindo peles de animais da África, além de outras inspiradas em motivos tradicionais africanos.
Claro que isso não é de graça. A Copa das Confederações, realizada na África do Sul, e a próxima Copa do Mundo, a ser disputada também nesse mesmo país, fizeram o continente cruzar o oceano e aportar por aqui.
Lembro das palavras da pesquisadora Helena Abramo, quando estudou os movimentos juvenis – principalmente os punks e darks – da década de 1980 na cidade de São Paulo. O que esses jovens queriam, através de suas roupas e atitudes, era se fazer notar pela sociedade, afirmando a própria identidade, e apresentar sua crítica ao mundo que os adultos estavam deixando para eles.
Diz o ditado popular: “Se você não pode com ele, junte-se a ele”. Por isso, explicava Helena Abramo, a sociedade transformou em moda a roupa desses movimentos, esvaziando seu poder de crítica. Pouco a pouco, as ruas das cidades foram se enchendo de jovens vestidos como os punks, sem saber como esse movimento nasceu e o que pensava, o que pretendia.
A África que aportou aqui no Brasil não é a África do povo: é ainda o continente dos safáris, do turismo das ricas cidades como Johannesburgo ou Cape Town; é o Congo e Benguela dos filmes de Tarzan feitos por Hollywood até a década de 1970.
Mas toda moeda tem duas faces. Ao estampar as roupas com desenhos inspirados nos motivos tradicionais africanos, a indústria da moda sem querer nos diz: “É bonito! Não dá para negar!”. Porque não é só o que é feito por aqui, no mundo ocidental e branco, que tem valor.
Costa Andrade, poeta de Angola, dizia: “Não desfrises o cabelo, não pintes os lábios, dança o makopo, passos de samba, escuta o ngoma, requebro kaviula. Olhem espantados a tua gargalhada natural e limpa, admirem a tua beleza natural e limpa (...). Não concedas ao mito, ao modelo, ao exótico”.
Toda moeda tem duas faces. Sem ter desejado, a moda nos traz o eco das vozes da África, como as que Agostinho Neto recolheu e nos presenteou: “Com os olhos secos contra este medo da nossa África, que herdamos dos massacres e mentiras, nós voltamos, África, estrelas de brilho irresistível com a palavra escrita nos olhos secos: liberdade!”.
Rodeado de zebras e leopardos e estampas das tribos da África, me vem à lembrança um sábio conselho: “Olha à tua volta. Abre bem os olhos. Vês? Aí está o mundo. Construamos” (Agostinho Neto).
Claro que isso não é de graça. A Copa das Confederações, realizada na África do Sul, e a próxima Copa do Mundo, a ser disputada também nesse mesmo país, fizeram o continente cruzar o oceano e aportar por aqui.
Lembro das palavras da pesquisadora Helena Abramo, quando estudou os movimentos juvenis – principalmente os punks e darks – da década de 1980 na cidade de São Paulo. O que esses jovens queriam, através de suas roupas e atitudes, era se fazer notar pela sociedade, afirmando a própria identidade, e apresentar sua crítica ao mundo que os adultos estavam deixando para eles.
Diz o ditado popular: “Se você não pode com ele, junte-se a ele”. Por isso, explicava Helena Abramo, a sociedade transformou em moda a roupa desses movimentos, esvaziando seu poder de crítica. Pouco a pouco, as ruas das cidades foram se enchendo de jovens vestidos como os punks, sem saber como esse movimento nasceu e o que pensava, o que pretendia.
A África que aportou aqui no Brasil não é a África do povo: é ainda o continente dos safáris, do turismo das ricas cidades como Johannesburgo ou Cape Town; é o Congo e Benguela dos filmes de Tarzan feitos por Hollywood até a década de 1970.
Mas toda moeda tem duas faces. Ao estampar as roupas com desenhos inspirados nos motivos tradicionais africanos, a indústria da moda sem querer nos diz: “É bonito! Não dá para negar!”. Porque não é só o que é feito por aqui, no mundo ocidental e branco, que tem valor.
Costa Andrade, poeta de Angola, dizia: “Não desfrises o cabelo, não pintes os lábios, dança o makopo, passos de samba, escuta o ngoma, requebro kaviula. Olhem espantados a tua gargalhada natural e limpa, admirem a tua beleza natural e limpa (...). Não concedas ao mito, ao modelo, ao exótico”.
Toda moeda tem duas faces. Sem ter desejado, a moda nos traz o eco das vozes da África, como as que Agostinho Neto recolheu e nos presenteou: “Com os olhos secos contra este medo da nossa África, que herdamos dos massacres e mentiras, nós voltamos, África, estrelas de brilho irresistível com a palavra escrita nos olhos secos: liberdade!”.
Rodeado de zebras e leopardos e estampas das tribos da África, me vem à lembrança um sábio conselho: “Olha à tua volta. Abre bem os olhos. Vês? Aí está o mundo. Construamos” (Agostinho Neto).
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quarta-feira, 1 de agosto de 2007
Sobre MPB e indústria cultural
Nos muitos pequenos espaços livres de uma vida corrida de grande cidade, sou compositor.
Não faço isso pra viver.
Tive quatro canções gravadas em produções alternativas, sem fins lucrativos. Toco numa pequena capela da periferia de São Paulo, onde o povo canta muitas de minhas canções, sem saber de quem é a autoria.
Mas volta e meia penso sobre a canção e o que ela representa na vida das pessoas. Desde que comecei a compor, ainda adolescente, aprendi uma lição: a melhor canção é aquela que cria uma relação entre as pessoas. Canções que eu achava muito boas foram esquecidas (inclusive por mim); outras, de menor qualidade musical ou poética (na minha opinião), vingaram e se firmaram.
Calipso e outros “fenômenos” se firmaram porque conseguiram falar para seu público, expressar o que essas pessoas gostariam de ouvir (escreveu Exupèry que a arte é dispor o jardim como o outro gosta de ver). Foi assim com Renato Russo, um cantor que iniciou a carreira extremamente desafinado, que se tornou o porta-voz de sua geração. Contudo, é bom lembrar que Calipso já está na grande mídia hoje, embora continue (ou não) com seu esquema de distribuição alternativo (que é uma informação de que não disponho).
A “indústria cultural” se apropria desses fenômenos para ganhar com eles (se não pode vencê-los, junte-se a eles). Mas também para dominá-los.
Calipso e outros escrevem essas canções que o povo gosta de ouvir. Mas o povo gosta de ouvir, na maioria das vezes, o que está acostumado a ouvir (o que lhe é oferecido para ouvir). E O QUE LHE É OFERECIDO NOS MCS, NA FAMÍLIA, NA ESCOLA?
Não faço isso pra viver.
Tive quatro canções gravadas em produções alternativas, sem fins lucrativos. Toco numa pequena capela da periferia de São Paulo, onde o povo canta muitas de minhas canções, sem saber de quem é a autoria.
Mas volta e meia penso sobre a canção e o que ela representa na vida das pessoas. Desde que comecei a compor, ainda adolescente, aprendi uma lição: a melhor canção é aquela que cria uma relação entre as pessoas. Canções que eu achava muito boas foram esquecidas (inclusive por mim); outras, de menor qualidade musical ou poética (na minha opinião), vingaram e se firmaram.
Calipso e outros “fenômenos” se firmaram porque conseguiram falar para seu público, expressar o que essas pessoas gostariam de ouvir (escreveu Exupèry que a arte é dispor o jardim como o outro gosta de ver). Foi assim com Renato Russo, um cantor que iniciou a carreira extremamente desafinado, que se tornou o porta-voz de sua geração. Contudo, é bom lembrar que Calipso já está na grande mídia hoje, embora continue (ou não) com seu esquema de distribuição alternativo (que é uma informação de que não disponho).
A “indústria cultural” se apropria desses fenômenos para ganhar com eles (se não pode vencê-los, junte-se a eles). Mas também para dominá-los.
Calipso e outros escrevem essas canções que o povo gosta de ouvir. Mas o povo gosta de ouvir, na maioria das vezes, o que está acostumado a ouvir (o que lhe é oferecido para ouvir). E O QUE LHE É OFERECIDO NOS MCS, NA FAMÍLIA, NA ESCOLA?
Ministro uma oficina de composição musical nas férias. Apesar de não “curtir” rap, trabalhei muito com um rapper ajudando-o a construir a canção dele, mas fazendo-o ver outros valores, oferecendo-lhe outras perspectivas melódicas e poéticas.
Na capela em que toco, ensaio com as crianças algumas canções e danças da cultura popular brasileira, como catira ou congada. Uma vez estava ensaiando com elas e uma adolescente me pediu pra ver um texto que eu trazia na mão (e não tinha mostrado pra eles ainda). Ela fez um comentário elogiando o texto (era Patativa do Assaré, quem diria).
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