Não faço isso pra viver.
Tive quatro canções gravadas em produções alternativas, sem fins lucrativos. Toco numa pequena capela da periferia de São Paulo, onde o povo canta muitas de minhas canções, sem saber de quem é a autoria.
Mas volta e meia penso sobre a canção e o que ela representa na vida das pessoas. Desde que comecei a compor, ainda adolescente, aprendi uma lição: a melhor canção é aquela que cria uma relação entre as pessoas. Canções que eu achava muito boas foram esquecidas (inclusive por mim); outras, de menor qualidade musical ou poética (na minha opinião), vingaram e se firmaram.
Calipso e outros “fenômenos” se firmaram porque conseguiram falar para seu público, expressar o que essas pessoas gostariam de ouvir (escreveu Exupèry que a arte é dispor o jardim como o outro gosta de ver). Foi assim com Renato Russo, um cantor que iniciou a carreira extremamente desafinado, que se tornou o porta-voz de sua geração. Contudo, é bom lembrar que Calipso já está na grande mídia hoje, embora continue (ou não) com seu esquema de distribuição alternativo (que é uma informação de que não disponho).
A “indústria cultural” se apropria desses fenômenos para ganhar com eles (se não pode vencê-los, junte-se a eles). Mas também para dominá-los.
Calipso e outros escrevem essas canções que o povo gosta de ouvir. Mas o povo gosta de ouvir, na maioria das vezes, o que está acostumado a ouvir (o que lhe é oferecido para ouvir). E O QUE LHE É OFERECIDO NOS MCS, NA FAMÍLIA, NA ESCOLA?
Ministro uma oficina de composição musical nas férias. Apesar de não “curtir” rap, trabalhei muito com um rapper ajudando-o a construir a canção dele, mas fazendo-o ver outros valores, oferecendo-lhe outras perspectivas melódicas e poéticas.
Na capela em que toco, ensaio com as crianças algumas canções e danças da cultura popular brasileira, como catira ou congada. Uma vez estava ensaiando com elas e uma adolescente me pediu pra ver um texto que eu trazia na mão (e não tinha mostrado pra eles ainda). Ela fez um comentário elogiando o texto (era Patativa do Assaré, quem diria).