quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Campos da África vestem o Brasil neste verão

Zebras e leopardos se espalham pela cidade de São Paulo neste fim de ano. De repente me dei conta disso, visitando um Shopping Center. Pelo menos três grandes redes de lojas que vendem roupas femininas trazem, em suas coleções, estampas reproduzindo peles de animais da África, além de outras inspiradas em motivos tradicionais africanos.
Claro que isso não é de graça. A Copa das Confederações, realizada na África do Sul, e a próxima Copa do Mundo, a ser disputada também nesse mesmo país, fizeram o continente cruzar o oceano e aportar por aqui.
Lembro das palavras da pesquisadora Helena Abramo, quando estudou os movimentos juvenis – principalmente os punks e darks – da década de 1980 na cidade de São Paulo. O que esses jovens queriam, através de suas roupas e atitudes, era se fazer notar pela sociedade, afirmando a própria identidade, e apresentar sua crítica ao mundo que os adultos estavam deixando para eles.
Diz o ditado popular: “Se você não pode com ele, junte-se a ele”. Por isso, explicava Helena Abramo, a sociedade transformou em moda a roupa desses movimentos, esvaziando seu poder de crítica. Pouco a pouco, as ruas das cidades foram se enchendo de jovens vestidos como os punks, sem saber como esse movimento nasceu e o que pensava, o que pretendia.
A África que aportou aqui no Brasil não é a África do povo: é ainda o continente dos safáris, do turismo das ricas cidades como Johannesburgo ou Cape Town; é o Congo e Benguela dos filmes de Tarzan feitos por Hollywood até a década de 1970.
Mas toda moeda tem duas faces. Ao estampar as roupas com desenhos inspirados nos motivos tradicionais africanos, a indústria da moda sem querer nos diz: “É bonito! Não dá para negar!”. Porque não é só o que é feito por aqui, no mundo ocidental e branco, que tem valor.
Costa Andrade, poeta de Angola, dizia: “Não desfrises o cabelo, não pintes os lábios, dança o makopo, passos de samba, escuta o ngoma, requebro kaviula. Olhem espantados a tua gargalhada natural e limpa, admirem a tua beleza natural e limpa (...). Não concedas ao mito, ao modelo, ao exótico”.
Toda moeda tem duas faces. Sem ter desejado, a moda nos traz o eco das vozes da África, como as que Agostinho Neto recolheu e nos presenteou: “Com os olhos secos contra este medo da nossa África, que herdamos dos massacres e mentiras, nós voltamos, África, estrelas de brilho irresistível com a palavra escrita nos olhos secos: liberdade!”.
Rodeado de zebras e leopardos e estampas das tribos da África, me vem à lembrança um sábio conselho: “Olha à tua volta. Abre bem os olhos. Vês? Aí está o mundo. Construamos” (Agostinho Neto).