quinta-feira, 17 de agosto de 2006

A arte e a defesa da vida

A arte carrega em si o próprio jeito da vida se fazer. Talvez seja isso que faça da arte uma atividade humana tão interessante e tão envolvente.
Pela arte a gente entra em contato com o mundo, estabelece relações entre os objetos e situações que a gente percebe e encontra uma forma de comunicar isso para as outras pessoas. O pensamento racional também faz a mesma coisa, só que de um jeito diferente. Mais do que procurar explicações para alguma coisa, a arte tenta captar e compartilhar uma experiência envolvendo a pessoa através de todos os seus sentidos.
Rudolf Arnheim é um pesquisador da arte, sério e competente. Em Arte e percepção visual, escrito na metade do século 20, ele procurou mostrar como o artista busca construir o próprio trabalho sobre alguns princípios. O interessante é perceber que esses princípios estão diretamente relacionados à maneira da vida acontecer. Chamo a atenção para dois deles: equilíbrio e dinâmica.
Tudo no universo está em relação: é um jeito novo de ver as coisas para o qual a gente precisa se converter, se deseja construir um mundo diferente do que existe hoje. Em qualquer obra de arte, os elementos que o artista usa (cores, formas, sons) estabelecem uma relação entre si. Cabe ao artista encontrar o equilíbrio entre esses elementos. O gozado é que equilíbrio não tem nada a ver com inatividade. Equilíbrio é trabalhar as diferentes forças presentes: um som é mais agudo, outro é mais grave; uma forma aponta para a direita, outra para cima.
Por que você anda? A força da gravidade puxa tudo para baixo, mas você força seu corpo e o põe de pé, encontrando um ponto de equilíbrio. Aí você levanta o pé e o leva para frente, caindo mas rapidamente encontrando um novo ponto de equilíbrio.
Só que a arte não é apenas equilíbrio. Um outro princípio da arte é a dinâmica. Pelo equilíbrio você anula as forças presentes em uma obra de arte ou as direciona para algum lugar. Mas a tendência de qualquer movimento é se acabar. Uma pedra jogada perde a força e cai. Só que a vida (e a arte) não se conforma com isso; as pessoas não se conformam com esse fim, inevitável. “O oásis existe”, escreveu Antoine de Saint-Exupèry, “porque insiste em resistir ao deserto que avança”.
Nosso desafio, nos dias de hoje, é encontrar um novo ponto de equilíbrio em que todos os seres (incluindo as pessoas) estejam presentes, não se conformando e resistindo ao mundo que uns poucos querem nos empurrar goela abaixo.

As visões se clareando

Feijão com arroz? Ou arroz com feijão?
Que coisa mais sem importância! Que diferença faz o que se coloca primeiro no prato?
Só que muita criança (e também muito adulto) vai deixar o prato de lado e não vai conseguir comer se você colocar primeiro o arroz e depois o feijão. Afinal, não é assim que ela está acostumada.
Pênalti?
Bola cruzada e aquele bolo de jogadores dos dois times na área. Um atacante cai. Há jogadores encobrindo parcialmente a visão do juiz e a do bandeirinha. O juiz apita. Metade do estádio vai ao delírio; a outra metade vaia.
O jeito como a gente vê as coisas acaba determinando o que a gente faz ou aquilo que a gente escolhe. E isso tem importância, sim! Poder ver melhor é poder agir melhor.
A gente se acostumou com a idéia de que a natureza estava aí, desde sempre, pronta. Que Deus deu a Terra pra gente dominar, mandar e desmandar. E que a Ciência é capaz de resolver todos os problemas porque ela existe para conhecer e, conhecendo, prever e, prevendo, dominar tudo o que existe.
E onde é que a gente foi parar levado por essa idéia?
Mas tem muita gente que pensa diferente. E nos convida a superar essa visão que levou o mundo à beira do abismo em que se encontra hoje. Eles nos dizem que, olhando melhor, é possível perceber que todas as coisas do mundo estão ligadas: o sol, a lua, as pedras, os bichos e as plantas e as pessoas (também!).
Esses laços que nos unem são frágeis: um nó que se desfaz vai enfraquecendo outros nós. A natureza busca refazer o equilíbrio das relações. Mas não vai nunca voltar a ser o que era. Cabe a nós, a cada um de nós, contribuir para que a humanidade continue fazendo parte desse novo equilíbrio que a natureza está buscando.