terça-feira, 15 de novembro de 2011

Só uma cópia?

Mais de uma dúzia de vezes eu recebi uma meia dúzia de e-mails parecidos sobre como teria sido a infância de quem cresceu na década de 1970 ou sobre os brinquedos e desenhos animados que faziam a alegria da garotada na década de 1980.
Era um mundo impossível de se imaginar hoje: sem computador, internet e celular. O máximo que havia, como brinca um antigo professor meu, Alberto Gobbo, era o telefone molecular: "Moleque, vai na casa da Dona Cida (a vizinha) e pede uma xícara de açúcar, que eu tô precisando passar um café".
Embora seja sempre muito gostoso olhar pra trás – as pessoas têm uma mania de dizer que "aquele tempo, sim, é que era bom"... –, o mundo nunca mais vai ser o mesmo. As condições que existiram, e que fizeram com que minha infância fosse o que ela foi, não existem mais, nunca mais vão se repetir.
E isso não é uma constatação por conta da velocidade das transformações tecnológicas atuais, que faz com que a cada mês um celular novo e mais cheio de recursos seja lançado no mercado. Faz uns 2,5 mil anos, um filósofo na Grécia escreveu: "ninguém se banha na mesma água do rio duas vezes". E não é que Heráclito tinha uma certa razão?
Das páginas e telas da ficção científica para o mundo real, a clonagem de seres vivos, inclusive de seres humanos, torna-se uma possibilidade cada vez mais concreta. Não sem razão, é importante que todo mundo pense a respeito disso e se pergunte: pra que interessa fazer uma cópia de alguém? "Eu já nem me suporto", você pode pensar; "imagine dois de mim?".
É preciso ter presente que toda ação humana é motivada por interesses. E nem estou dizendo que esses interesses são escusos, segundas intenções. Então, não dá pra aceitar aquele papo furado de pesquisa científica desinteressada, como se muito do progresso científico não tivesse sido condicionado por quem bancou as pesquisas. E há outra conversa mole que é preciso questionar: "se dá pra fazer (se tecnicamente é viável, é possível), então a gente deve fazer!". Por isso é importante se engajar no debate sobre aonde esse caminho vai levar e se esse é o destino que se quer alcançar.
Anos atrás, foi feita uma novela chamada "O clone". É claro que, mesmo fundamentada em teorias e práticas científicas, é uma obra de ficção, uma história inventada. Mas essa novela e outros tantos filmes produzidos por aí vão construindo na imaginação das pessoas a ideia de uma cópia perfeita da pessoa de quem se tirou o DNA. Uma cópia tão perfeita a ponto de alguém muito religioso levantar a questão: "essa minha cópia teria alma?".
Pensando com calma, um clone humano vai se parecer muito com um irmão gêmeo, só que nascido bem depois. E se já existem diferenças entre gêmeos idênticos, criados pelos mesmos pais, frequentando a mesma escola, tendo muitos amigos em comum, imagine o quão diferente seria esse clone/irmão gêmeo.
Talvez fosse mais alto ou mais gordo que o original. Eu, por exemplo, que tenho quase um 1,8 m de altura, era considerado um tanto alto na minha geração. Mas as gerações que vieram depois da minha são, na média, bem mais altas e com uma tendência maior para a obesidade. Tudo por conta dos tipos de alimento disponíveis e dos hábitos alimentares diferentes.
Além de uma provável diferença física, esse clone teria uma forma de ver o mundo totalmente diferente. É que a água do rio, de que falava Heráclito, teria sido outra. Ele teria vivido outras experiências, carregaria lembranças diferentes, habilidades, gostos, tiques e manias: tudo diferente.
Um clone não seria uma cópia, mas um outro ser humano: completo, distinto. Arrisco dizer que teria uma alma própria, sim, porque se Deus é esse ser eterno, que criou tudo e que conhece tudo antecipadamente (já que não cabe na ideia de Deus essa noção de tempo como nós a experimentamos), então esse Deus já teria previsto e permitido, como possibilidade, a clonagem humana.
Agora, exatamente porque esse clone seria em tudo um novo ser humano, a pergunta continua: se dá pra fazer, então temos mesmo que fazer? Pra que preciso de um clone? Pra servir de peça de reposição? Um rim ou coração 100% compatíveis, pra quando o meu já não estiver em boas condições?