quarta-feira, 6 de julho de 2005

Sobre percepções e verdades

Sempre costumo fazer, em alguma das minhas primeiras aulas de filosofia, uma dinâmica com a turma: a gente escuta duas gravações muito diferentes da mesma música (Aquarela do Brasil, na gravação da Elis Regina e na do Ray Connif) e aí parte pra um debate sobre as diferentes percepções sugeridas pelas gravações. Outra dinâmica, relacionada com essa, é colocar a turma em círculo e pedir para cada um anotar o que vê; depois, alterar drasticamente a ordem das pessoas, pedir novamente para anotarem o que estão vendo nesse novo lugar e conversar comparando as percepções, seja do que a pessoa viu antes e depois, seja as percepções do antigo ocupante do lugar e as do atual ocupante.
Por que isso?
É que percepção e expressão são dois pólos de uma mesma dinâmica: a nossa relação com o que nos cerca. Como dizer o mundo se não aprendemos a percebê-lo?
Mas não somos máquinas de perceber, programadas para fazer um "retrato fiel" da realidade. A percepção da gente é seletiva, influenciada por vários fatores. Gostaria aqui de chamar a atenção para dois deles: lugar e expectativa.
O que a gente vê é marcado profundamente pelo lugar onde a gente se encontra naquele momento. O que pode parecer um pênalti para um torcedor na arquibancada, talvez pareça uma falta cavada para o juiz que está ao lado, mas meio encoberto por outro jogador. Pegando ainda o gancho desse exemplo, a expectativa nos leva a interpretar os poucos dados trazidos pela percepção: o torcedor deseja que o juiz apite pênalti a favor de seu time; talvez o juiz esteja acostumado a ver um determinado jogador cavar uma falta. A expectativa e o lugar que a gente ocupa vão determinar, então, a nossa forma de perceber e de expressar (reagir, responder) o mundo.

Essa reflexão de hoje tem muito a ver com as notícias que correm nesses dias em nosso país. E "quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça"...

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